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Aprovação do plano por adesão – inovação da Lei 14112/2020

Por Daniela Winter Cury

A Lei 11.101/2005, desde a sua criação em fevereiro de 2005, tem sofrido inúmeras alterações visando dar mais eficiência ao processo de recuperação judicial considerando que as relações comerciais são dinâmicas e exigem medidas mais assertivas.

A lei 14.112/2020, que alterou a Lei de Recuperação Judicial e Falências, trouxe inovações importantes ao processo de recuperação e, sem sombra de dúvida, uma das mais relevantes é o procedimento que permite a apresentação de termo assinado pelos credores nos autos da Recuperação Judicial para substituir decisão de aprovação de Plano de Recuperação Judicial na Assembleia Geral de Credores, conforme previsto no art. 45, A abaixo transcrito:

Art. 45-A. As deliberações da assembleia-geral de credores previstas nesta Lei poderão ser substituídas pela comprovação da adesão de credores que representem mais da metade do valor dos créditos sujeitos à recuperação judicial, observadas as exceções previstas nesta Lei.

Não podemos nunca perder de vista o objetivo do instituto da recuperação judicial bem delineado no art. 47 da Lei 11.101/2005 que é: (…) viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Mas como funciona essa adesão dos credores? É simples, o art. 56-A estabelece que, em até 5 dias antes da data de realização da assembleia-geral de credores convocada para deliberar sobre o plano, o devedor poderá comprovar a aprovação dos credores por meio de termo de adesão, observado o quórum previsto no art. 45 da Lei e requerer a sua homologação judicial. Nesse caso, a convocação para a realização da assembleia será dispensada e o juiz intimará os credores para apresentarem eventuais oposições, no prazo de 10 dias (prazo este contados em dias corridos conforme o art. 189,§1º da LRF).

No caso de dispensa da assembleia-geral ou de aprovação do plano de recuperação judicial em assembleia-geral, as impugnações terão sua matéria restrita às seguintes alegações: “I – não preenchimento do quórum legal de aprovação; II – descumprimento do procedimento disciplinado nesta Lei; III – irregularidades do termo de adesão ao plano de recuperação; ou IV – irregularidades e ilegalidades do plano de recuperação.”

Após as oposições dos credores, a empresa em recuperação judicial terá 10 dias para se manifestar e, na sequência, o Administrador Judicial terá 5 dias para tecer suas considerações podendo, inclusive, apresentar controle de legalidade sobre o respectivo termo de adesão.

Cumpridas as exigências legais, e decididas eventuais impugnações ao termo de adesão, o juízo competente poderá homologar o plano (art. 58 da LRF4), o qual também passará pelo controle de legalidade, podendo serem consideradas nulas ou mesmo reeditadas as cláusulas consideradas abusivas ou ilegais no Plano.

Da mesma forma que acontece com a realização da assembleia de credores, a utilização do “termo de adesão” também está sujeita à validação do juízo, o qual deverá verificar, inclusive, a ocorrência de “adesão abusiva”, por um ou mais credores.

Importante ainda consignar que, antes das alterações da LRF, o entendimento sobre o conceito e aplicação do “Voto Abusivo” era diferente, pois se entendia que se um credor ou grupo de credores dominantes, demonstrasse um comportamento individualista, de modo a beneficiar exclusivamente seus interesses individuais em relação aos outros credores, era possível a anulação judicial dos votos considerados abusivos, aliás esse é o entendimento de Joao Pedro Scalzili em sua obra: João Pedro, SPINELLI Luis Felipe, TELLECHEA, Rodrigo – Recuperação de Empresas e Falência: Teoria e Prática na lei 11.101/2005, 2ª Edição 2019 – Editora Almeida.

“Assim, se o plano é exequível (capaz de preservar empresas) e propõe um pagamento superior ao que seria recebido na falência, não haveria interesse legítimo para rejeição do plano pelos credores – sendo teoricamente possível considerar viciado o voto que revela comportamento excessivamente individualista por parte de credor, especialmente quando se evidenciar a intenção de extrair benefícios exclusivos por parte de credor dominante em uma das classes da assembleia. Em termos comparativos, a hipótese se assemelha à previsão constante no art. 115 da lei das S.A. – que regula o abuso do direito de voto e conflito de interesses – fazendo com que o credor exerça seu direito de voto em consonância com os interesses de todas as outras classes afetadas pela crise da empresa. Caso seja verificado o abuso no exercício do direito de voto por parte do credor em assembleia geral (ato ilícito na forma do 187 do CC), duas podem ser as consequências: (i) o voto pode ser invalidado (limite objetivo ao exercício da posição jurídica) e (ii) o credor pode ter de indenizar os danos causados (responsabilidade civil subjetiva); e se o voto dos demais credores for suficiente para aprovar a matéria, o magistrado deve, além de anular o voto abusivo, proceder ao acertamento da declaração assemblear, declarando o novo resultado (desconsiderado o voto abusivo, inclusive do cômputo dos quóruns de aprovação).”

Importante aqui consignar que as alterações a que sofreu a lei 11.101/2005 trouxeram a definição do que é o “voto abusivo”, restringindo as hipóteses em que o credor manifestamente busca obter vantagem ilícita para si ou para outrem, com redação do §6º do art. 39 da LRF:

Art. 39 § 6º: O voto será exercido pelo credor no seu interesse e de acordo com o seu juízo de conveniência e poderá ser declarado nulo por abusividade somente quando manifestamente exercido para obter vantagem ILÍCITA para si ou para outrem.

Ou seja, caso seja verificado que, no caso concreto, que o credor relevante esteja manifestando sua adesão em evidente abuso para obter vantagem para si da qual esteja disposta no plano, também é possível declarar nula sua respectiva adesão.

Ademais, mesmo com a utilização da aprovação por termo de adesão, o quórum de adesão também poderá ocorrer por “Cram Down”, a forma alternativa de aprovação com quórum diferenciado, conforme delimita a lei. O quórum alternativo está previsto no §1º do art. 58 da LRF, que também teve modificações relevantes na parte abaixo destacada:

§ 1º O juiz poderá conceder a recuperação judicial com base em plano que não obteve aprovação na forma do art. 45 desta lei, desde que, na mesma assembleia, tenha obtido, de forma cumulativa:

I – o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembleia, independentemente de classes;

II – a aprovação de 3 (três) das classes de credores ou, caso haja somente 3 (três) classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos 2 (duas) das classes ou, caso haja somente 2 (duas) classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos 1 (uma) delas, sempre nos termos do art. 45 desta Lei;

III – na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de mais de 1/3 (um terço) dos credores, computados na forma dos §§ 1º e 2º do art. 45 desta lei.

Ademais, o termo de adesão não é exclusivo para a aprovação do plano de recuperação judicial, podendo também ser utilizado para quaisquer deliberações que seriam realizadas na Assembleia de Credores, desde que tenha a adesão de mais da metade dos créditos sujeitos à Recuperação Judicial, conforme se verifica no art. 45-A da LRF7, assim como pode ser utilizado para a formação do Comitê de Credores ou para aprovação de formas alternativas para a realização do ativo na falência.

Também na modalidade de Recuperação Extrajudicial já era prevista a adesão por credores signatários ao Plano (Art. 162), entretanto, a respectiva adesão deve ser clara e com informações precisas a respeito de tais créditos aderentes, de movo a afastar quaisquer suspeitas ou irregularidades sobre o ato.

Nos autos da recuperação judicial do Grupo Kazan, que tramita na 4ª vara cível empresarial da comarca de Santarém-PA com o n. 0805657-66.2020.8.14.0051 houve termo de adesão que culminou no pedido de desistência na tramitação da recuperação judicial com sentença de encerramento proferida em 29.06.2022.

Concluindo: Mais uma importante ferramenta de renegociação de dívidas posta a disposição do devedor.

Daniela Winter Cury é advogada atuante no escritório Mestre Medeiros Advogados Associados

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